Onde estava?
Arlequim sentiu os olhos doerem ao abri-los e ver paredes brancas demais e diante destas voltou a fechá-los como forma de protegê-los. Seu nariz se irritou ao sentir que inalava – agora conscientemente – o cheiro familiar de ambiente clinico. Sentiu, devido à leve ardência, que algo estava injetado em sua pele. Seus ouvidos captaram, por último e de forma também consciente, o familiar som dos "bipes-bipes" contínuos...
Era um leito hospitalar.
“Mas... como?”, ele se perguntou, os olhos se agitando ainda assustados com o lugar com o qual se deparavam. Iam, freneticamente, da esquerda para a direita e de baixo para cima e, ainda assim, não conseguiam ver tudo.
Tentou, tentou e tentou, mas não conseguiu nada.
Tentou, tentou e tentou... até que desistiu.
E ali permaneceu.
Ali, viu os dias passarem, depois sentira que estes se tornaram meses. Havia uma enfermeira, mas que morbidamente sempre surgia de rosto encoberto, dela ele via apenas os olhos muito negros. Ela, ao que ele percebia, vinha lhe passar algo no rosto. Não havia espelho para saber do que se tratava...
Estando ali, viu os dias passarem, meses passarem. A enfermeira, um dia viu em suas vestes brancas, se chamava Solidão e ela era, até então, a única o que o acompanhava. Ele tentava lhe falar, mas não havia resposta. Ela era fria, jamais deixando de fazer o que sempre fez. Trazia consigo dois frascos... sempre os mesmos frascos. Um de conteúdo branco e outro de conteúdo negro.
Ele não sabia o que havia exatamente acontecido. Em sua memória não encontrava nada que pudesse lhe ser de alguma utilidade para que obtivesse alguma resposta.
Só, esquecido, abandonado... sem amor, sem calor, sem esperança... nele havia somente a saudade. Saudade do quê?
Desde então junto à Solidão veio outra figura, a Saudade, e entre si elas conversavam, mas nada que ele pudesse ouvir e nada que elas estivessem dirigindo a ele. O que poderia ser?
Queria poder perguntar quando sairia dali, pois não precisava estar ali. Queria poder fugir daquele lugar, pois não havia nada de errado com ele... e se havia não lhe tinham contado, pois ao que ele sabia ele era plenamente saudável.
Ele não podia ir e, pelo que notava, ninguém mais viria. Seria mesmo isso? Mas onde estariam aqueles que prometeram lhe amar? Onde estariam os pais que o geraram e até pouco tempo atrás ainda estavam ao seu lado? E os amigos que o apoiavam e a mulher que lhe prometera amor? Teria ela, principalmente ela, o esquecido? Todos o haviam esquecido? Haviam o abandonado? Deixaram-no para trás?
Onde estavam as pessoas que o assistiam e o aplaudiam? Não teriam notado sua ausência? Já havia alguém fazendo seu numero já que ele estava como estava?
Tantas perguntas lhe vinham, mas jamais as respostas.
Percebeu que sua respiração tornara-se ofegante, seu coração agora galopava como um corcel desesperado sobre colinas selvagens. Os "bipes-bipes" do aparelho estavam também mais rápidos. Uma lágrima, ele pode sentir, desceu-lhe a face direita.
Ali estavam as enfermeiras, Solidão e Saudade, mas não o notavam? Haviam se esquecido dele? Será que não haviam percebido que ele estava morrendo? Não poderiam ajudá-lo? Para seu desespero e total pânico elas deixaram o alvo quarto. Olhando para os lados, sendo capaz de mover apenas os olhos, ele constatou estar totalmente só. Não havia mais ninguém ali.
O que vem depois de tais momentos, quando nem mesmo a Solidão ou a Saudade estão presentes? Só havia uma resposta e diante dela ele precisava de ajuda. Mas quem o ajudaria? Onde estaria o médico? Havia algum?
Talvez ele não chegara até ali para ser curado, afinal.
— Eu preciso de ajuda — ele balbuciou com dificuldade, como se talvez nunca tivesse aprendido a falar até aquele momento. — Preciso de ajuda! AJUDA!!
O medo lhe corria pelas veias como um cardume de peixes mortos descendo uma correnteza rubra. Fria. Queria se mover, se levantar, alcançar alguma campainha que pudesse tocar e assim a ajuda chegasse, mas não podia. Estava inerte, senão pelos olhos que marejados se moviam no revisitado frenesi como se o avistar de algo pudesse resolver seu fatal problema. Medo. Como ele o sentia. Talvez fosse este que pesasse cada vez mais sobre seu corpo, impedindo que se levantasse. Talvez fosse o crescente medo que o atasse - feito correntes cuja resistência apenas aumentavam devido à força deste - àquele leito.
Ali, agora parecia realmente o fim. Não havia ninguém por ele, ninguém que pudesse lhe ajudar. Quis gritar, mas sentiu seu folego minguando dentro de si e de sua boca nenhum som saia. Tentou outra vez mover o corpo, mas ainda que algum sucesso tivesse sido alcançado, não foram nada mais do que movimentos inúteis e que em nada lhe ajudariam.
“Socorro...” foi seu último pensamento. O último grito por ajuda que fora capaz de emitir, mas ninguém o ouviria.
Veio o último folego... a última batida.
Arlequim já não ouvia quando o aparelho que marcava seus batimentos soou o último bipe. A última nota, a qual foi longa e lúgubre. Mórbida.
Felipe R.R. Porto