terça-feira, 9 de maio de 2023

Solidão - Capítulo 5 : Canção Em Louvor À Indiferença

É dito que o ser humano é uma espécie intrinsicamente social, mas e quando isso falha? E quando a necessidade de se associar parece minguar e associar-se soa como se para salvar-se de cair em um abismo fosse preciso agarrar-se, não a uma corda, mas a longos ramos espinhosos? Às vezes soa melhor cair.

        Na distancia Arlequim já avistava a pequena cidade. Ele agora cruzava um pequeno arvoredo. Árvores de copas fartas timidamente quase tocavam-se e formavam um túnel que, devido ao tempo nublado, era estranhamente escuro para aquele horário. A noite ainda demoraria um pouco para chegar, no entanto.

Arlequin parou nas sombras, pensando em prosseguir ou não. “Cá estou”, pensou. “Um ser social, mas não criado pela sociedade ou para ela...” A conclusão era que, o mais claro, era que o precioso sentimento de socializar já havia partido logo cedo. A solidão o fizera quem era. Ela o criara, em verdade. Dela ele nascera. Houve momentos onde ele tentou abandonar isso, este sentimento, e ir em direção oposta àquilo que parecia ser natural a ele. Ele tentou escapar da solidão... e neste trajeto ele viu que perdia também a esperança que uma vez tivera. Na verdade isto era conclusivo, visto que a esperança é uma luz brilhando em meio a densas trevas e não o inverso. Pessoas não sentem veementemente a coragem quando não há ameaças, mas quando estas existem. Do mesmo modo a esperança opera, sendo um farol em meio a um tempestuoso mar.

A esperança se fora, deixando um sentimento de frieza. Arlequin sentia-se clamando por algum calor. Algum amor? A voz que pedia isto logo se silenciava dentro dele, deixando-o apenas com um estranho sentimento de que era vão, era tolice, esperar por isso. Seria mesmo?

Lembrava-se de sonhos, mas mesmo os sonhos, tão imersos em realidade e em verdade, tornavam-se pesadelos e lá, nos sonhos, ele fugia. Contudo, em algum determinado momento, de forma eminente, sempre vinha a queda. Feito sombria nuvem maus presságios pairavam sobre ele, enquanto por dentro o que ele encontrava era o vazio. Não havia nada dentro daquela jovem, embora sofrida, casca humana. Não havia vida e o infortúnio lhe segurava firme a mão, não lhe deixando seguir sozinho...

Arlequin sentiu o cansaço se abater sobre ele. O desanimo o fez recostar-se em uma árvore. Pouco depois uma charrete ruidosa passava por ali, rumo à cidade. Um homem, sua esposa e duas crianças (uma menina e um menino), provavelmente seus filhos puxados por dois cavalos de pelo escuro. Apenas as crianças, com seus doze anos talvez (a menina parecendo ser a mais velha), o viram, mas apenas o viram, sem manifestar-se a sua mãe ou a seu pai, este último mantinha-se centrado e  agarrava firme as rédeas. Logo o som do leve trotar não chegava mais aos ouvidos do exausto jovem à sombra do arvoredo.

O coração de Arlequin pulsava forte, ansioso. Não, havia medo, uma gélida e persistente teia de medo na qual ele se via emaranhado. Lamentou, então, as palavras das quais há pouco se lembrara, as promessas que fizera.

— Mal consigo existir — ele lamentou audivelmente — , que dirá prosseguir?  O que há para mim é apenas a indiferença, o viver na morte do esquecimento. Sou apenas um uma criatura do tédio, aquela péssima piada em uma sala de espera... Aquele que ninguém quer ouvir ou que ninguém estará lá para ouvir...

É sabido que os românticos são os mais sofredores sobre esse mundo. Tão sensíveis e sonhadores; sonhando seus belos sonhos inflados em amor. Ai destes, pois o lugar deles – ou de maioria deles – é no passado. Muitos já se foram e jazem em tumbas frias e sua poesia é lida por poucos em páginas lúgubres ou em suas lápides mais fúnebres ainda.

O mundo não estava pronto para eles, por isso a vida, a jovialidade, deles fugia, visto que seus olhos não mais viam aquilo que os demais passaram a ver. Eles reconheceriam a beleza de uma obra de arte, enquanto outros apenas as utilizariam como algo para embelezar seus cômodos cheios de riquezas, mas vazios de amor. “Pobre destes”, Arlequin pensava, mas algo não era mais tão inovador, “que apenas tem dinheiro”.

— Contudo — ele disse por fim, hesitante, voltando os olhos para cidadezinha à frente, não mais tão cativado em prosseguir — eis aqui um destes que tanto sonhou com o amor! Vejam! Contemple, respeitável público! — ele colocou um sorriso no rosto, um que ele sabia que convenceria a muitos, mas logo se viu deixando o sorriso morrer, seu semblante cair. — Eu busquei o amor. Sonhei com ele. O senti, mas como uma maldita e horrenda semente, o amor brotou e quando desabrochou... encontrei apenas medo. Apenas medo.

Felipe R.R. Porto

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