sexta-feira, 31 de março de 2023

Venha conhecer o Posers, Duo com Influência de Rammstein e Lacrimosa!

 


O embrião do Posers surgiu em 2008, mas o guitarrista e vocalista Guilherme Colosio e o multi-instrumentista Pedro Miranda somente retomaram as atividades em 2020. “Voltamos justamente em um período em que a humanidade foi forçada a se recolher e olhar para dentro de si. Devido ao isolamento social imposto pela pandemia, tivemos uma oportunidade de resgatar coisas que nos faziam bem e bastavam por si. A música foi um desses resgates”, comenta Colosio. O primeiro fruto do retorno do Posers se dá agora com o lançamento do single e lyric video de “Razão”, composta há mais de 10 anos, mas que vem acompanhada de uma estética condizente ao contexto político atual.


Por sua estética focada no clássico e em peças de teatro, o duo procura passar suas mensagens de forma abrangente no audiovisual. Assim, o trabalho para o videoclipe buscou ilustrar o comportamento de um psicopata e sua investida contra a vítima. “Ao longo do processo a troca de figurinos, maquiagens e cenários buscavam valorizar a instância da psiquê preponderante no momento e seus conflitos com as outras instâncias”, explicou Guilherme Colosio.

Além de referências ao metal industrial e ao gótico, especialmente Rammstein e Lacrimosa, o duo traz uma estética focada no clássico e em peças de teatro, principalmente na obra de William Shakespeare. Desta vez, o duo explorou timbres com ressonância, tendo sintetizadores e guturais fazendo contraposição ao silêncio e calmaria. “Exploramos timbres com bastante ressonância dentro de uma harmonia que não se resolvia rapidamente. ‘Lixo’ é para ser ouvida em volume alto para um maior envolvimento com a atmosfera criada”, concluiu o multi-instrumentista Pedro Miranda.


O último Single da Banda se chama ''Noite de Núpcias'' e conta com um vídeo clipe que pode ser conferido a seguir:





Youtube: posersbr











Solidão - Capítulo 2 : Olhares Passageiros

 


Olhares Passageiros

A turbulenta noite se fora, mas deixara lembranças de sua estadia. Arlequim dormira quando a Lua – vista parcamente e apenas uma vez em um momento de, talvez, misericórdia das arrogantes nuvens - se achava alta, a madrugada os abrigando. Não, não sentira sono. Concluíra que fora apenas vencido pelo cansaço e pelo tédio.

Esta derrota lhe conduziu a um sonho.

Neste sonho ele se encontrava em algo que provavelmente era um cinema. Teve confirmação disto quando notou a quantidade de cartazes expostos de forma costumeira pelos corredores. Porém, quando se atentou aos detalhes dos cartazes e ao que diziam foi tomado de assombro; um dos pavorosos cartazes anunciava a estreia daquela noite e era ele mesmo que vira retratado no fatídico anúncio. Viu-se retornando a outros cartazes e só então notava o propósito daquele cinema: exibir sua vida. Cartazes, cartazes e mais cartazes por todos os lados. Por mais que alguns deles não dissessem com ênfase ser ele o tema ele pôde reconhecer isso ao observar com afinco.

Observando um dos cartazes, qual era emoldurado e com uma peça de vidraçaria como proteção, Arlequim viu seu reflexo no cartaz. Os mesmos traços, a mesma maquiagem. Desviando a atenção do cartaz ele lançou um olhar por cima do ombro, percebendo assim que muitos olhares estavam sobre ele.

Aquilo não era um sonho. Era um pesadelo.

Ele, se afastando, às pressas procurou por uma sala. Caminhara de porta em porta, olhares ainda o perseguindo. Uma das portas chamou-lhe a atenção devido ao burburinho de vozes que vinha do seu interior – o que poderia fazê-lo se afastar se estivesse acordado, mas era um sonho. Tinha de ser.

Ele a abriu e vira o local apinhado de pessoas. Todos os assentos estavam tomados. Com exceção de um, ao qual se dirigiu. Nada menos do que um assento dobrável.

Sentou-se e olhou ao redor, sentindo o nervosismo lhe roer os ossos, lhe incomodar as entranhas, devido quão assombrado se achava com o número de pessoas presentes ali. Não deixou de acreditar, apesar de tudo, que não se tratava de algo real. Ele bem se conhecia: não iria a um local onde sua própria vida fosse exibida.

— Não, um sonho não – murmurou para si a conclusão de há pouco.  — Um pesadelo.

Destes não se consegue sair.

As luzes se apagaram. O filme se iniciou e o silencio humano que tomou o local era quase mórbido. Mais mórbido ainda foi quando memórias surgiram, o distante passado tendo vindo com elas, arrastado pela mão à força para dentro da mente de Arlequim. O passado que deixara de ser passado para estar em seu presente uma vez mais. Na imensa tela um estranho “eu”, o “eu” do passado – um fantasma – fita a face daquele em quem se tornara. Arlequim, no entanto, desvia o olhar, voltando-se, involuntariamente, para a multidão. Um sobressalto o tomou quando o grande salão é tomado por uma súbita explosão de risos. Gargalhadas. Alguns, ele nota, lhe lançam olhares, outros apontam o grande telão, onde algo cômico deveria estar sendo exibido. Arlequim reluta, mas logo seus olhos também se voltam para a sequência de imagens. O que ele vê? Um aleijado, quebrado, à deriva sobre as ondas.

Arlequim sente-se abatido, doente. Sente seu rosto arder, a vergonha lhe tomando de assalto. Ah, mas eles nada sabiam. Nada sabiam sobre ele. Não sabiam sobre as impressões do tempo sobre sua alma. Não, o tempo não fora tão generoso com ele como parecia ter sido com tantos. Ele, muitas vezes, chegara à conclusão que o tempo, para ele, se movia penosamente, como se este se arrastasse ao invés de caminhar. Seu tempo parecia estagnado, não notando ele nenhuma grande diferença entre o ontem e o hoje. Seu hoje, acreditava ele, nada mais era do que uma mera impressão do ontem. Seu hoje era uma estela onde tudo o que fora ali gravado... era o seu ontem.

Quando Arlequim volta a si ele percebe que, sem que notasse, havia baixado a cabeça, enterrando o rosto em pranto nas mãos agora úmidas. Quão imerso estava em tais pensamentos? Quão imerso estava em sua ruína? Olhando para as mãos nota manchas escuras nelas. Teve medo de imaginar como seu rosto estava naquele instante...

Na enorme tela a cena parecia prolongar-se. Aleijado. Quebrado. Ele sabia as razões, ele se lembrava daqueles dias. Lembrava-se que questões lhe assombravam; questões sobre os mistérios da Vida e Morte, seus significados... Aquilo o assombrava, o feria e o lançava sobre as vagas da dúvida, do sofrimento. Da dor. Agora, contudo, era diferente. Ele não tinha todas as respostas, mas sentia que tinha respostas o bastante para buscar prosseguir. “Hoje eu sei a resposta”, pensou ele, sobre uma pergunta em particular, “naquele tempo eu não sabia...”

“Eu tomei a decisão errada”, ele conclui intimamente, sua consciência sendo a única que o escuta.

Nova torrente de risos surge, expulsando seus pensamentos por um instante, enviando-os para os confins de sua mente. Arlequim, no entanto, não dá atenção ao que as telas mostram neste instante, sentindo apenas o impulso de se retirar. Às pressas ele o faz, levantando-se rapidamente e galgando feroz as escadas que o separavam da porta de saída. Suas entranhas, comovidas pelo intenso nervosismo, reagem, e sob o olhar de alguns ele sucumbe, caindo de joelhos sobre o carpete, arfando.

Aqueles olhares... aqueles mesmos olhares. Não, ele não sentia apenas vergonha, ou nervosismo. Sentira algo mais: sentira ódio. Diante daqueles olhares ele se perguntou, enquanto se levantava e buscava se recompor, se mesmo ali, na luz, ele poderia ser reconhecido. Se o fosse... ririam dele outra vez? Desejou que todos eles se retirassem. Que se fossem e vivessem suas vidas, deixando a dele. Era sua vida. Sua própria e intima vida! Eles não tinham o direito de agir como agiam...

No entanto, ele estava em um pesadelo. Não conseguia sair. Era decepcionante que mesmo desacordado ele permanecia assombrado. Era frustrante que seus sonhos se esvaíssem tão facilmente, feito algo lhe escapando por entre os dedos, e seus pesadelos fossem soberbos e resistentes. Imponentes.

Ele se levanta, cruza o corredor até a saída, mas estaca diante das portas, nada mais que vitrines. Lá fora uma multidão de pessoas aguarda para entrar. Arlequim balança a cabeça, sentindo seu corpo começar a refazer o caminho de volta. 

De volta para a sala onde tão constrangedora obra era exibida. Porém, quando ele volta e procura seu assento vê que este não estava mais vazio. Ele não reage, mas senta-se no chão, em um dos degraus e encara com firmeza a tela. Sim, era sua história. Seu filme. Não obstante, ele desejava saber o que aconteceria, qual seria o final de tão hedionda obra. “Eu ainda não sei sobre meus pecados... onde exatamente errei”, refletiu ele, pensando também que a ignorância não seria tão ruim. Há coisas que devem permanecer desconhecidas.

Era o filme de sua vida, mas ele não esperava muito. Aliás, esperava apenas que logo viesse a morrer, assim sendo, ele não teria de carregar o fardo que vinha carregando por tanto tempo.

— Me desculpem se minha vida perturba alguém — ele se viu dizendo em voz baixa. — Ao menos ela serviu de inspiração para um filme que as pessoas gostam.

Ele não esperava que alguém ouvisse, mas olhares se voltaram para ele, o repreendendo. Estava errado. Constrangido por estes mesmos olhares ele se voltou para a tela, onde era exibida uma cena estranha de se ver: sua morte.

Novamente há risos na sala e ele se pergunta, ainda assim, se seus risos de dor no ontem teriam relação com tal momento...

Novamente alguém está rindo do filme ali exibido. A gargalhada ecoa, quase podendo ribombar contra as paredes do escuro salão. Arlequim outra vez percebe olhares, aqueles malditos olhares sobre ele, mas neles não havia a mesma repreensão de antes. Havia horror. Estavam chocados.

Quem ria, quem gargalhava, era o próprio Arlequim.

Felipe R.R. Porto

quarta-feira, 22 de março de 2023

Solidão - Capítulo 1 : Lágrimas De Saudade


Outro crepúsculo se despedira cerca de uma hora atrás. O conhecido véu escuro da noite plena tomara com firmeza seu costumeiro lugar.

Outra vez parte do mundo estava sob seu domínio. As nuvens acima se estendiam em todas as direções, tendo lá permanecido ao logo de todo o dia que findara; um dia borrado por tons escuros – cinzentos e agourentos. Arlequim vira o mesmo céu dias atrás como se feito de rocha, hoje tivera um vislumbre mais específico, concluindo que este lembrava uma fria lasca de mármore, funesta e gélida.

        Estava desta forma já havia dias e Arlequim sabia que aquele clima ainda se estenderia por vários outros. A escuridão, de fato, acabara de cair. No entanto, já havia aqueles que preferiam recolher-se frente à exaustão e frente ao clima.

        Mas havia algo mais, ao menos para o exaurido palhaço, que vira seu dia envolto em um manto persistente de incertezas. De medo. E a noite seguia os mesmos pavorosos passos, enquanto os passos do palhaço o levavam pelos espaços entre trailers e tendas. Espaços agora praticamente desertos, senão por um colega de trabalho ou outro. Alguma fria corrente de vento conseguia serpentear por estes locais vagos, fazendo vibrar lonas ou fazendo tremular as bandeirolas que encimavam as tendas menores e aquela maior, onde os maiores espetáculos ganhavam lugar.

       Aquele lugar, normalmente separado para lazer e momentos de alegria, não era livre do toque da melancolia. Nada era. Ninguém era.

     Não há aqueles sem cicatrizes. Não há aqueles que se achem livres das dores. No entanto, sabe-se haver aqueles cujas feridas parecem recusar-se a se curar, a dor por elas provocada se estendendo sobre e através das paredes do tempo feito implacáveis ervas daninhas.

       Inúmeras vezes se vira prestes a sucumbir e inúmeras vezes ironicamente se vira rindo de si, do quão patético às vezes soara a si mesmo. Rira, mas lágrimas lhe banharam a face. Inúmeras foram as vezes em que desejara gritar consigo mesmo... Há quem afirme sobre o perigo dos inimigos distantes, mas não há pior inimigo do que aquele que habita as profundezas do próprio homem.

       Não há pior inimigo do que si mesmo.

     Fora tolo desde tanto tempo, mas a dor viera. Lancinante. A dor última, quiçá, de uma alma ferida. Assim, essa mesma dor, para esta mesma alma, trouxe lições. Assim surgira o racional medo do amor. Não soava sábio a seus ouvidos amar quando sua alma cruzara, a passos dolentes, a Via Crucis. O amor, então, fora o seu Calvário. Seu Gólgota. E lá ele fora humilhado, ferido, transpassado e morto.

     Estas lágrimas vertidas em silêncio se tornaram máscaras sobre seu rosto; a luz que emite sombras e obstrui a si mesma. Não, não há utilidade no esconder-se de sua dor. Há apenas mais dor. Voraz e avassaladora dor. Assim, lá ele permanece. Ainda de pé, lágrimas lhe escorrendo pelo rosto, mas aprendera que certos atos são tolices. Aprendera que deveria ser quem era, não quem obstruísse esse mesmo ser.

     Foi assim, Arlequim acreditava, que a noite então deu à luz seu filho mais jovem: um sonho. Um sonho de amor, um sonho de saudade – de anseio. Desta forma trata-se de um sonho apenas para os olhos, não para o deleite das mãos. Sendo o que é, é apenas um sonho para se meramente sonhar e jamais para ser vivido. Um sonho para os olhos, apenas para contemplação; o tesouro inalcançável, por isso também, uma vez mais, um sonho para as mãos. Ou melhor, uma ilusão para as mãos.

       Pobre filho da noite. Eis seu sonho de amor... de sua saudade.

    Contudo, esta criança, esse filho da noite, possuía olhos que até então não haviam realmente contemplado a beleza. Assim sendo eram fracos, limitados, para ser maravilharem. A luz gloriosa do sol nascente, então, não veio para este filho. Ele, agora se vê, era cego. A luz, tão bela, estava lá, mas não para olhos feito os dele. Cegos... talvez, de alguma forma, imaturos.

       Ele, no entanto, fora cego por muitos anos, mas não por não poder ver. Era cego por não ser capaz de admirar. Assim como existe a diferença entre o mero ouvir e o precioso escutar.

   Esta criança, esse estranho sonho, era ele mesmo. Ele, apaixonado pela noite, e alimentado pelas poéticas expectativas que nela aprendera a ver com o passar dos anos.

      Sim, uma criança, mas estes mesmos anos que lhe ensinaram o “admirar-se” também lhe mostraram que suas mãos eram velhas, eram calejadas pelo viver. No entanto, ainda que velhas, permaneciam intocadas. Talvez, apenas talvez, uma explicação devesse ser concedida. Entretanto, a única que poderia lhe ser dada estava perdida.

       Mesmo esta se achava perdida.

     Isto tornava suas lágrimas um amargo mistério; mas ele as vertia em silêncio, atrás da cômica máscara que passara a usar. Lágrimas de um anseio apenas sonhado, de uma saudade de algo ainda não experimentado.

Felipe R.R. Porto