Pierrot estava de volta ao parque, a grande tenda do circo assomando diante dele. O clima não havia mudado. O vento continuava soprando forte e frio, dizendo que a pouca neve que cobria o gramado agora logo seria substituída.
Instintivamente ele apertou os punhos, alguns de seus deos estralando diante do esforço, mas não eram as bolas de malabarismos que trazia consigo. Ergueu as mãos e lá estavam seus violino o arco. Os fios de crina tremeram brevemente ao vento, zunindo de leve. Também estava com as roupas do “Arlequim”.
Aquilo era estranho.
Olhando novamente para a enorme armação coberta diante dele notou que a entrada se abria - as lonas se abrindo, se recolhendo para os lados. Era um convite. Era um pedido para que adentrasse o lugar. Havia uma abertura, mas ele não via nada mais. Não ouvia nada. Além da lona havia apenas escuridão e o silêncio. Era como a típica armadilha que um predador camuflado faria a sua preza.
Era esperado que ele entrasse.
Ele não o fez, porém.
Se colocou a caminhar pelo parâmetro do parque que ele tão bem conhecia, mas se deparou com o local totalmente deserto. Os trailers repousavam em requintado silêncio. Pensou em tentar entrar em um deles, mas viu-se parando. Se seus colegas estivessem mortos? Ele queria ver isso? “Tolice”, logo pensou, concluindo que a probabilidade de isso ter acontecido a todos era inexistente.
Decidiu-se por ignorar os trailers.
Alcançou as delimitações do parque quatro vezes, tendo ido para Norte, Sul, Leste e Oeste. Cruzou-o quatro vezes, concluindo que em todas as direções ele apenas encontrava a mesma quietude incômoda. Em todas as direções apenas o horizonte sem fim e acima o céu com nuvens quais eram como se tivessem sido feitas de pedra lascada. Frígidas. Prestes a cair pesadamente e esmagá-lo.
Tudo familiar demais. Tudo frio demais. Tudo, ele decidiu por fim, doloroso demais. Quantas alegrias tivera naquele lugar? Poucas. Quantas tristezas...? A resposta era diferente. Talvez ele estivesse sonhando. Talvez fosse uma espécie de Inferno apenas dele. Mas... o que viria a ser um inferno? Fogo? Tormento? Como classificar o que seria um tormento? Certa vez lera que “a Terra é o único Inferno que aqueles que iriam para o Paraíso conheceriam. E a Terra é o único Paraíso que aqueles que iriam para o Inferno conheceriam.”
Sim, de fato, aquele poderia ser um Inferno. O Inferno dele.
Ou não. Talvez, considerando Dante, fosse apenas O Ante-Inferno ou algo semelhante a este. Um local onde estariam aqueles que não iriam para os Céus assim como os que não iriam para o Inferno. Estremeceu, pois era horrível o bastante segundo lembrava, embora o que visse não chegasse a tal nível.
Após mais uma caminhada ele se viu no mesmo lugar de antes. Diante da entrada do circo. Desta vez, no entanto, ele pareceu ouvir algo. Como se alguém o chamasse... lá de dentro. Das sombras. Uma voz ínfima permeando o silêncio.
O que significava? Ele não sabia. Ele apenas saberia se a seguisse. Queria, porém, realmente segui-la? A resposta era um duvidoso, incerto não. Ainda assim, havia outra pergunta, para a qual a resposta também era não:
Ele queria permanecer ali?
Suas mãos novamente agarraram firmes aos violino e arco. Ele engoliu em seco, o coração palpitando, quando começou a caminhar na direção da escura tenda, tão silenciosa como uma cripta o seria.
Talvez, ele chegou a pensar, estivesse saindo do Inferno. Todavia ele não descartou a possibilidade de que, na verdade, estivesse adentrando ele.
Felipe R.R. Porto